Reflexões sobre Inteligência Artificial a partir do Trend de Anime
- Serginho Neglia
- 31 de mar.
- 4 min de leitura

Resisti muito ao uso de inteligência artificial. O Jota vivia me falando sobre o assunto, mostrava as maravilhas do ChatGPT, enquanto eu me preocupava com o fato de que, no futuro, não conseguiríamos mais reconhecer o que foi feito por humanos e o que era obra da inteligência artificial. Infelizmente, esse futuro chegou – bem mais rápido do que eu imaginava – e eu já aderi à IA, sob pena de me tornar totalmente obsoleto (Todas as imagens desta publicação foram elaboradas pelo ChatGPT).
Nesta semana, entrei na onda do trend de transformar fotos em imagens com IA e escolhi o estilo anime. Após publicar as imagens, li uma declaração do cofundador do Studio Ghibli, Hayao Miyazaki, sobre o uso da arte dele pela IA.
Sou um admirador de desenhos nas mais diversas formas. Durante parte da juventude, sonhei em ser desenhista. Abandonei o sonho, mas nunca perdi a admiração pela arte. Gosto de caricatura, charge, quadrinhos, anime, realismo… talvez por isso essa tenha sido a única trend à qual aderi, entre tantas que surgem diariamente na minha timeline.
Ao ler o posicionamento do Miyazaki, pensei: se a IA passa a substituir o trabalho artístico, esses profissionais – cujo trabalho tanto admiramos – terão sua sobrevivência profissional ameaçada. Fiquei constrangido por ter participado disso.
Essa experiência me trouxe algumas reflexões, que compartilho com vocês:
Tudo que a IA faz não é baseado em algo criado por humanos?
Não é só da arte do Studio Ghibli que ela se utiliza para produzir imagens, também de músicas, poesias, textos, fotos, vídeos, livros, estudos, pesquisas e tudo mais que ela utiliza é baseado em algo criado por nós, humanos, e foi alimentado em sua base de dados, ela organiza e reproduz conforme pedimos.
Neste sentido, todos nós que utilizamos o ChatGPT para alguma coisa, não estamos tirando o serviço de alguém e o apoiando a e apropriar de um conhecimento e uma habilidade humana?
Não estamos, ao utilizá-lo, buscando a substituição, quase que completa do trabalho intelectual e artístico humano?
Será que nós também não somos grandes "copiadores"?

O funcionamento da IA, no fundo, não se parece com o nosso? Ao lermos um livro, assistirmos a um filme, ouvirmos uma música, não estamos, também, abastecendo nosso cérebro com referências que, em algum momento, utilizaremos para exercer nossas funções cotidianas, inclusive nosso trabalho?
O que fazemos, não é, na verdade, reproduzir ou produzir a partir de algo que vimos ou aprendemos e que foi criado, pensado e desenvolvido por outra pessoa?
Como fotojornalista, profissão que exerci por mais de duas décadas, será que os meus enquadramentos e olhares não eram influenciados por imagens que já tinha visto e admirado?
Você já reparou na quantidade de gente fazendo a mesma coisa e oferecendo os mesmos serviços nas redes sociais?
Se, neste momento, você fizer qualquer busca nas redes do tipo: Como acumular milhas? Exercícios para perder a barriga. Como ganhar dinheiro com IA? Ganhe dinheiro trabalhando em casa, perceberá que surgem dezenas, senão centenas, de profissionais oferecendo exatamente os mesmos serviços, com as mesmas estratégias de divulgação e o mesmo apelo do tipo “único, inovador”. Todos tentam fazer você acreditar que são pioneiros naquele estilo de serviço, mas, na prática, é impossível identificar quem copiou quem, ou quem se apropriou da ideia e da estratégia do outro.
Mas ninguém parece se preocupar com isso. Quem está preocupado com direito autoral, com propriedade intelectual?
Anos atrás, quando fomos registrar a marca do Vida Urgente, descobrimos que outra entidade já havia protocolado o pedido de registro. Sério. Os caras queriam se apropriar da marca, da história e da criação de uma pessoa que, de próprio punho, desenhou o símbolo após a perda de um filho e, com muito trabalho, transformou aquilo numa marca conhecida e reconhecida internacionalmente. Eles não tiveram nenhum constrangimento em tentar registrá-la como se fosse deles. Não conseguiram, mas, tentaram.

A popularização da internet e, mais tarde, das redes sociais, fez com que muita gente passasse a copiar e compartilhar o conteúdo criado por outros, sem sequer citar a autoria original. Diariamente vejo fotos minhas (principalmente as do Brizola) reproduzidas em páginas sem nenhuma menção ao meu crédito.
Esse debate sobre direitos autorais e propriedade intelectual já existia, mas a chegada da inteligência artificial trouxe uma nova camada de complexidade. A IA agora é capaz de gerar imagens, textos, músicas e vídeos a partir de milhares de referências, criadas por pessoas reais, com tempo, estudo, talento e dedicação.
Hoje, os bancos de dados já começam a ser abastecidos por conteúdos elaborados pelas próprias inteligências artificiais. Será que, com o tempo, restarão apenas os resquícios humanos nas obras originais do passado? As criações do presente e do futuro terão autoria compartilhada entre humanos e inteligência artificial — como esta publicação, em que eu escrevi o texto e as imagens foram geradas por ela a partir do que escrevi — ou serão inteiramente produzidas por máquinas?
E aí eu te pergunto:
O que você pensa sobre isso?
Já teve algo seu apropriado sem crédito?
Quer compartilhar sua opinião?
Acho importante começar dizendo que não acredito na ideia de originalidade na criação — isso, pra mim, é uma ilusão. Tudo o que a gente cria vem de um caldeirão de referências, fragmentos do cotidiano e um toque de loucura. Esses elementos são escolhidos pelo nosso emocional, pela vontade de sermos compreendidos. E é exatamente aí que a arte se torna especial.
O que me incomoda nas IAs aplicadas à criação artística é justamente a ausência disso. A ferramenta coleta, mistura, entrega — mas não coloca nada “de si”. Ela não sente, não deseja, e na maioria das vezes nem consegue refletir algo verdadeiramente pessoal do usuário. Claro, ela vai evoluir. Talvez um dia até simule emoções. Mas aí fica…